As feiras livres são uma prática tradicional de comércio e abastecimento, presente desde sociedades pré-industriais, que historicamente marcaram as relações de troca de mercadorias. Até hoje, seguem como importantes espaços de economia popular, geração de emprego e renda, valorização cultural, sociabilidade e uso democrático do espaço público.
Mesmo com o avanço dos hipermercados e das redes atacadistas, as feiras resistem nos bairros. A expansão desses grandes empreendimentos reforça uma lógica de consumo centralizado. Quem nunca experimentou a sensação de ir ao mercado para comprar um único item e saiu com o carrinho cheio? A conveniência de encontrar tudo em um só lugar atende aos interesses de um sistema que prioriza a concentração de mercado e a acumulação de capital.
É sob essa perspectiva que devemos compreender os desafios enfrentados pelas feiras livres. A precariedade da infraestrutura e as difíceis condições de trabalho dos feirantes não são resultado de um descaso isolado, mas parte de um projeto político-econômico de cidade que favorece a maximização do lucro de grandes empresas, em detrimento da economia local. A resistência das feiras é também uma resposta à lógica da modernidade urbana, marcada pela ruína do espaço público — muitas vezes encoberta sob a alegação de necessidade de ordenamento territorial — e pela consolidação de ambientes privados, cercados, vigiados e voltados exclusivamente ao consumo.
Além disso, esse arranjo produtivo enfrenta um concorrente mais recente e igualmente desafiador: as compras online. O crescimento acelerado dos aplicativos de entrega, impulsionado durante a pandemia, transformou hábitos de consumo. Comprar pelo celular e receber em casa tornou-se prático e extremamente lucrativo. No entanto, esse modelo enfraquece ainda mais os espaços de convivência e aprofunda a precarização das relações de trabalho, com entregadores enfrentando jornadas exaustivas, baixos rendimentos e riscos constantes.
Diante desse cenário de precarização crescente, modernização do consumo, concentração de mercado e esvaziamento dos espaços públicos, as feiras seguem vivas e relevantes no cotidiano urbano. São espaços de convivência, cultura e lazer, especialmente nas regiões que carecem de equipamentos públicos. A cada semana, o feirante monta sua barraca, recebe sua clientela fiel, gera renda e sustenta sua família. Reconhecendo essa importância histórica, cultural e econômica, sobretudo no imaginário popular carioca, nosso mandato iniciou mais um relatório de fiscalização, desta vez voltado às condições de trabalho e infraestrutura das feiras livres da cidade do Rio de Janeiro.
Nosso método de trabalho começa com o mapeamento do objeto de fiscalização. Em seguida, realizamos visitas in loco, ouvimos os trabalhadores, verificamos a infraestrutura e, com base nessas informações, produzimos um dossiê público com os principais desafios encontrados. No primeiro mandato, produzimos 10 relatórios de fiscalização. Investigamos as condições de escolas, unidades de saúde, ciclovias, inspetorias da Guarda Municipal, lixões, rios, além de equipamentos culturais, esportivos e de lazer, e o transporte público. Sempre com atenção às condições de trabalho e aos direitos de quem move a cidade.
Neste segundo mandato, reafirmando nosso compromisso com os trabalhadores da cidade, assumimos, mais uma vez, a presidência da Comissão de Trabalho e Emprego e iniciamos uma nova frente de fiscalização. Começamos com uma amostragem que inclui feiras livres, orgânicas e agroecológicas distribuídas por todo o município. Com um questionário específico, temos percorrido bairros, conversado com feirantes, observado e documentado a estrutura oferecida e, a partir disso, construiremos um novo relatório, pautado na realidade concreta daqueles que vivem e fazem a feira acontecer.
É fundamental destacar a inclusão das feiras orgânicas, especialmente as agroecológicas e da roça, que seguem invisibilizadas pelo poder público. A cidade do Rio de Janeiro, por não ser reconhecida oficialmente como rural e urbana, negligencia políticas de incentivo à agricultura urbana familiar, deixando de oferecer condições adequadas para que essas feiras ocorram com regularidade e dignidade. A ausência de uma listagem oficial por parte da Prefeitura evidencia esse abandono. Muitas dessas feiras só existem graças ao esforço direto dos feirantes, que muitas vezes também são produtores. Ignorar essas experiências é repetir o silenciamento e o apagamento de quem tanto contribui para a soberania alimentar da cidade, oferecendo alimentos saudáveis, livres de agrotóxicos e aditivos químicos, para as famílias cariocas.
Ainda que o diagnóstico seja preliminar, já ouvimos mais de 70 feirantes e identificamos problemas recorrentes que comprometem a dignidade do trabalho nas feiras em todas as regiões da cidade: falta de banheiros públicos, barracas em condições precárias, ausência de limpeza adequada e carência de infraestrutura básica. Soma-se a isso a dificuldade de formalização e regularização dos trabalhadores, o que afeta diretamente sua estabilidade e o o a direitos fundamentais.
Só estamos começando e ainda temos muitas feiras a visitar. Nosso mandato segue presente nas ruas, dialogando e construindo junto à sociedade civil e movimentos sociais. Lutamos por políticas públicas efetivas que fortaleçam essa prática histórica, reconheçam o papel central dos feirantes na economia e no cotidiano da cidade, e garantam condições dignas de trabalho e renda.